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Ana Cláudia Quaresma Da Silva

Advogado    OAB/TO

advogada militante principalmente nas áreas cível, criminal, consumidor e trânsito.

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PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE: LEITURA ESTRUTURANTE DE DIREITO FUNDAMENTAL

RESUMO Considerando a sustentação principiológica dos direitos fundamentais, volta-se o olhar para o princípio da solidariedade com o objetivo de analisar o termo em diferentes discursos que alicerçam esse comando constitucional. Para tanto, realizou-se um estudo teórico delineado pelas ideias nos respectivos domínios de estudos, subsidiado pela abordagem da hermenêutica jurídica. Do termo solidariedade ao princípio da solidariedade constitucional, há uma construção histórico-evolutiva de direitos humanos, enquanto valor comum socializado e caracterizado pela integração e cooperação mútua de dimensão ética. Conclui-se que a compreensão do princípio da solidariedade atrela-se às concepções alicerçadas no bem comum e na amizade política subjacente à concretização da noção de justo. Palavras-chave: Solidariedade. Princípio. Direitos fundamentais. RESUMEN Considerando la sustentación de principios de los derechos fundamentales, se vuelve la mirada para el principio de la solidaridad con el objetivo de analizar el término en distintos discursos que cimientan ese comando constitucional. Para ello, se realizó un estudio teórico delineado por las ideas en los respectivos dominios de estudios, subsidiado por el abordaje de la hermenéutica jurídica. Del término solidaridad al principio de la solidaridad constitucional hay una construcción histórico evolutiva de derechos humanos, en cuanto valor común 1 Graduanda do 4° período de Direito e bolsista do Programa de Iniciação Científica (PROCIENT), Núcleo de Pesquisa e Extensão (NUPEX), da Faculdade Católica Dom Orione, Araguaína-TO. 2 Doutora em Ciência da Informação (Unesp/Marília) e mestre em Direito (Fundação Univem). Professora orientadora no PROCIENT/NUPEX, da Faculdade Católica Dom Orione. Linha de pesquisa: Solidariedade e Direitos Humanos. socializado y caracterizado por la integración y cooperación mutua de dimensión ética. Se concluye que la comprensión del principio de la solidaridad se atraílla a las concepciones cimentadas en el bien común y en la amistad política subyacente a la concretización de la noción de justo. Palabras claves: Solidaridad. Principios. Derechos fundamentales 1 INTRODUÇÃO Para se compreender a concepção de solidariedade adotada como princípio fundamental constitucional, busca-se o sentido filosófico-político-social do termo, dado que tanto a definição quanto a compreensão da palavra são construídas historicamente. A associação do vocábulo solidariedade à benevolência, dever para com o próximo, luta por uma sociedade de cidadãos igualitários deu-se a partir do século XIX, em virtude das mudanças ocorridas com a Revolução Industrial, fortemente influenciada pelo cristianismo. Entretanto, sua origem linguística encontra-se no direito romano, com acepção de responsabilidade geral, obrigação solidária, culpa coletiva. (AMARAL NETO, 1977; ABBAGNANO, 2007). A sociedade passou a fazer uso da solidariedade enquanto forma de valorização da pessoa integrada ao grupo. Esse conceito efetiva-se nas relações sociais e jurídicas, visto que os indivíduos passaram a reconhecer necessidades e responsabilidades como forma garantir a justiça. Nesse contexto, diante da aplicabilidade do princípio solidariedade, como garantia de direitos fundamentais, previsto na Constituição Federal de 1988, questiona-se: qual a concepção de solidariedade adotada – como objetivo princípiológico fundamental de direito – pela Constituição Federal de 1988? O objetivo geral é analisar como surgiu e se desenvolveu o termo solidariedade na sociedade moderna; como seu entendimento alterou-se de uma concepção de obrigação entre pessoas com interesses heterogêneos ao conceito de amor ao próximo e fraternidade, perpassando pela política social (no sentido de fundamentar a redistribuição dos riscos sociais) até chegar, no contexto dos direitos humanos e fundamentais, ao princípio de solidariedade, de forma específica, na Constituição Brasileira. Particularmente, busca-se compreender os vários processos pelos quais passou o termo solidariedade e analisar o princípio da solidariedade na concepção jusfundamental. O estudo teórico apresenta (como procedimentos metodológicos) um delineamento de ideias – no campo filosófico, sociológico, econômico, político e jurídico – em torno do termo solidariedade e do princípio da solidariedade na fundamentação da concepção jurídica de solidariedade. Isso se dá por meio de uma interface sistêmica nos respectivos domínios de estudos, subsidiada pela hermenêutica na seara jurídica de interpretação constitucional (COELHO, 2011), com leituras na perspectiva dos direitos humanos e fundamentais, e mediante diálogo com a relação eventualmente mantida entre a concepção teológica e filosófica, sociológica e política. A abordagem do objeto de estudo ocorre por meio de uma visão integrada e descritivo-reflexiva. Eis a ousadia que justifica o estudo: trazer um questionamento a respeito do tipo de solidariedade que se está vivenciando hodiernamente. Rosso (2007, p. 3), de forma sábia, afirmou que “a beleza do estudioso do direito reside em aproximar a realidade dos ideais de direito” e que para isso deve “aprofundar-se nos caminhos teóricos do direito [...] estudando formas de implantação dessas teorias”. O texto constitucional traz, em seu art. 3º, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, ou seja, “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Logo, torna-se relevante uma leitura estruturante acerca do princípio da solidariedade, ao se considerar a necessidade da sua efetivação, isto é, sua concretização no social, representando, assim, as bases éticas do sistema jurídico nacional (COMPARATO, 2003). Um dos fatores que impulsionou o estudo é a inquietude provocada pela construção do saber jurídico, condizente com o texto constitucional e com os modelos morais a serem perseguidos, diante da almejada realização social através da solidariedade. 2 DELINEAMENTOS DO TERMO SOLIDARIEDADE 2.1 Ideia de solidariedade na concepção teleológica cristã e filosófica Tomás de Aquino O dicionário Houaiss (2009, p.1766) faz alusão ao termo solidariedade em um entendimento genérico como “laço ou ligação entre duas ou muitas coisas ou pessoas, dependentes umas das outras; sentimento de ternura pelos injustiçados”. O dicionário Abbagnano (2007, p.1086) traz, entre outras definições, o conceito de solidariedade como sendo “assistência recíproca entre os membros de um mesmo grupo”, podendo ser também “criação histórica de indivíduos capazes de identificar-se com a vida alheia [...]”. Whestphal (2008), citando Brunkhorst (2002, p. 10), observa que na concepção de Hoffmann o vocábulo serve para designar desde obrigações entre pessoas com diferentes interesses sociais (entendimento este à luz do direito romano), passando pela ideia de fraternidade, amor ao próximo, assim como por um processo de políticas sociais. Derivada da expressão grega in solidum obligari e in solidum teneri, no direito romano, a palavra solidariedade era utilizada para definir mais de um sujeito na mesma obrigação e esses sujeitos eram responsáveis, em parte ou no todo, por determinada dívida. Era a chamada obrigação solidária e exigia, como requisitos, pluralidade de sujeitos, identidade do objeto e unidade do ato (DINIZ, 2008). No direito clássico, não se admitia ação de regresso: o devedor in solidum quando pagava, pagava o que devia; e o credor in solidum que recebesse, recebia aquilo a que tinha direito. Já o direito justinianeu admitiu ação de regresso e, dessa forma, o devedor, além de dever sua cota, garantia o pagamento de toda a dívida. Essa alteração no direito justinianeu tinha como finalidade proteger o credor dos incômodos de cobrar mais de um devedor e, principalmente, evitar os riscos da insolvência (AMARAL NETO, 1977). Santo Tomás de Aquino (1265 apud SANTOS et al., 2010, p. 20) empregou “amizade política” para designar o interesse em busca do bem comum do grupo. Essa expressão foi usada quando, estudando Aristóteles, Tomás de Aquino distinguiu quatro tipos de amizade: natural, doméstica, civil (ou política) e divina. Logo, “amizade política” é utilizada como sinônimo do termo concórdia, aproximando-se do conceito de homonoia de Aristóteles. Para este filósofo, a amizade – philia – é uma forma de amor e o maior dos bens para as cidades, pois resulta na unidade. A philia está relacionada a uma atitude na polis que garante o bem comum, excedendo o âmbito privado para o público e suas relações. De acordo com Santos (2010), a amizade cívica de Aristóteles – denominada homonoia – é um termo que a tradição traduziu por “concórdia”. A respeito do termo “concórdia”, Oliveira e Santin (2010, p. 5) compreendem que [...] há concórdia numa cidade quando seus habitantes têm a mesma opinião acerca daquilo que é de seu interesse, e escolhem que há concórdia entre as pessoas em relação a atos a ser praticados e quando estes atos podem ter consequências, e quando é possível que neles duas partes, ou todas elas, obtenham o que desejam [...]. Parece então que a concórdia é a amizade política, como efetivamente se diz que ela é, pois ela se relaciona com assuntos de nosso interesse e influentes em nossas vidas. Considerando que o homem é um animal político e social – que o indivíduo não pode garantir sozinho sua sobrevivência –, faz-se mister refletir e agir valorizando o bem comum, ou seja, as ações devem ser pensadas com base no bem comum (OLIVEIRA; SANTIN, 2010, p. 5). Assim, o termo solidariedade subjaz a ideia de obrigação moral da doutrina cristã, na qual o ser humano identifica-se com o próximo; vê no outro um reflexo dele próprio, tomando para si o sofrimento alheio. Compreende-se, nessa concepção, o sentido de fraternidade ou ser fraterno. Brunkhorst (2002, apud WHESTPHAL, 2008) cita que o conceito de solidariedade, sob a ótica da fraternidade (fraternitas) e amor ao próximo (caritas), tem fonte em Cristo, o que compromete os cristãos ao dever de uns para com os outros. Nesse sentido de fraternidade, as relações humanas são priorizadas e não apresentam cunho político. Tragl, citado por Whestphal (2008, p. 45-46), esclarece que, por volta do séc. XX, a Igreja Católica iniciou um movimento, conhecido como Doutrina Social Católica (DSC), no qual defendia que, sendo o homem a imagem de Deus, deve-se buscar a união universal entre as pessoas em virtude da paternidade divina. A DSC fundamenta-se na revelação sobrenatural e no conhecimento social focado no ser humano, na subsidiariedade e na solidariedade. A concepção social desenvolveu-se como uma doutrina e seus objetivos tornaram-se critérios de julgamento em questões sociais e planos de ação. A doutrina e os princípios da DSC acabaram por influenciar o desenvolvimento da solidariedade como princípio de Estado. Essa doutrina sugeria um sistema social-filosófico, não teológico (TRAGL, 2000 apud WHESTPHAL, 2008), razão pela qual Whestphal (2008, p. 46), citando Pesch, pondera que “as mazelas decorrentes da economia capitalista deveriam ser modificadas por intermédio de ações reformistas, sendo todo membro social responsável para realização de justiça social”. Logo, o centro da DSC foi o solidarismo, embasando um sistema social-filósofico não teológico que foi determinante como princípio de Estado na Alemanha. Seus fundadores pregavam que as más consequências do capitalismo exigem reformas sociais e cada indivíduo tem sua parcela de responsabilidade para a concretização da justiça social. Para eles, a solidariedade como princípio ético, baseia-se na necessidade de complementaridade da pessoa, no que seria chamado princípio de direito, princípio de formação comunitária e princípio de caridade. Na América Latina, por volta de 1960, desenvolveu-se a Teologia da Libertação (TL) com base no pensamento marxista, como forma de promoção dos oprimidos, excluídos e marginalizados em pessoas de direito (ABBAGNANO, 2007). Diferentemente da DSC, a TL divergia enquanto elevação da solidariedade a princípio de Estado. Isso porque as concepções da DSC na Europa, principalmente na Alemanha, eram diferentes da realidade vivida na América Latina que possuía, de forma explícita, as manifestações do capitalismo, como pobreza, exclusão e injustiça (GREIS, 1993 apud WESTPHAL, 2008). A TL passou, assim, a ver a solidariedade social – em que cada indivíduo pode participar de todas as oportunidades colocadas pela vida, tanto de forma natural como pelas relações sociais – motivada pelos ideais de bem comum com dupla dimensão, isto é, a irmandade com Cristo e a reciprocidade exercida entre os iguais. Essa concepção pode ser entendida também como classista, por defender o posicionamento de se ser solidário com seus iguais, posto que são iguais os que possuem a mesma classe social. No entanto, não deixa de ter um significado moderno, já que essa solidariedade é vista como sendo “escolhida” e voluntária, influenciando, portanto, a economia solidária. Nesse sentido, Sequeiros (2000) distinguiu dois modelos clássicos de solidariedade nos países desenvolvidos. O primeiro vem desde a Revolução Industrial até o período entre as duas guerras mundiais. É considerado o modelo operário em sua totalidade, por haver uma maioria marginalizada dos benefícios do sistema frente a uma minoria privilegiada. A proposta era oferecer um modelo de solidariedade, além da conhecida proposta individualista, que fornecesse possibilidade de modificar as situações de desigualdade. O segundo modelo vem desde a Segunda Guerra Mundial até os nossos dias. É visto como uma solidariedade de consenso e existe entre aqueles que desejam manter o estado de bem-estar e as condições democráticas, tendo sido impulsionada pelas reivindicações operárias. 2.2 Solidariedade na concepção sociopolítica e econômica da pós-Revolução Industrial No século XX, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, evoluiu-se a uma concepção de solidariedade mais humanista. A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) foi ponto determinante para que os países, principalmente os considerados de primeiro mundo, passassem a criar políticas voltadas a se ajudar mutuamente, com o intuito de diminuir as diferenças sociais e culturais. Esse fenômeno ganhou força por suas políticas humanitárias na busca pela positivação dos direitos humanos. O nascimento da burguesia e sua ascensão econômica resultaram em uma necessidade de ampliar a exploração da força de trabalho operário, o que aumentou a miséria extrema da população, criando as chamadas injustiças sociais. Em consequência disso, surgiram diversas teorias socialistas com vista a assegurar melhores condições de trabalho à classe operária; ou seja, inicioui-se a formação de sindicatos e associações após perceberem que, de forma agrupada, conseguiriam atingir os objetivos individuais. Assim, o homem “sobressai dessa experiência histórica com uma conclusão importante: enquanto o individualismo enfraquece o homem, a vida em sociedade o fortalece” (SILVA, 2011, p. 10). Pontes (2006) afirma que, a partir dessas premissas, passaram a ganhar forma os estudos do sociólogo Émile Durkheim (1858-1917) sobre solidariedade social. Para Durkheim (apud PONTES, 2006), no meio social havia dois tipos de solidariedade, a saber: a solidariedade mecânica que se dá quando a consciência coletiva recobre a consciência individual e decorre das semelhanças entre todos os membros da sociedade; e a solidariedade orgânica que é resultante da divisão de trabalho. Durkheim, segundo Assmann e Sung (2003), aplicava o conceito de solidariedade mecânica de forma crítica, referindo-se a uma cooperação rígida, funcional, automática entre semelhantes em organizações demasiadamente burocráticas. Já a solidariedade orgânica era vista como a colaboração entre os diferentes; esta se ancora em fenômenos socioculturais e alimenta-se de um serviço de cooperação. Conforme Pontes, na concepção durkheimiana, quanto maior a diferenciação entre as pessoas, maior será a dependência de cada um em relação ao outro. Afirma que a solidariedade orgânica é comparada “a um organismo onde cada órgão possui uma função especializada, não exerce a função dos outros órgãos, o que o torna dependente dos demais e essencial para a vida em conjunto” (PONTES, 2006, p. 93). De acordo com Assmann e Sung (2003, p. 48), Durkheim “via o conjunto da sociedade e seus setores (economia, política e cultura) como setores convergentes da solidariedade” e utilizou a solidariedade mecânica para definir os processos regidos por regras, doutrinas, conferindo-lhe um caráter jurídico e normativo. Dessa forma, solidariedade mecânica é um fato social positivado e a solidariedade orgânica provém de negociações e entendimentos; os fatores de coesão social dependem de regras e poderes da sociedade para superar os conflitos sem, entretanto, serem alimentados por estes, mas por um conjunto de crenças e consensos em relação ao projeto social (ASSMANN E SUNG, 2003). Cabe ressaltar o ideal dos pensadores iluministas de se formar uma sociedade com base em um sentimento de novo humanismo, pois muito embora essa época seja considerada de racionalismo, percebe-se a necessidade de construir bases sociais firmadas na ética, proporcionando um equilíbrio entre esses dois polos aparentemente opostos, mas que se revelam alicerçados em um mesmo patamar (MELO, 2008). 2.2.1 Solidariedade na concepção econômica de condição prática de Habermas O estudo do pensamento de Habermas a respeito da solidariedade e economia solidária é tarefa um tanto vasta e complexa. Entretanto, é importante registrar seu interesse por criar um patamar de discussões sobre a solidariedade, posto que a vê sob uma perspectiva de viabilidade social. Ele defende a necessidade de se pensar conjuntamente a construção de consensos coletivos, no sentido de se ter uma organização socialmente desejável e juridicamente exigível; ou seja, vê a solidariedade por um ângulo prático, aplicável. Habermas voltou sua atenção aos graves obstáculos que impedem a efetivação da solidariedade na economia de mercado, principalmente com relação a normas e instituições que resistem aos ideais solidários, ao mesmo tempo em que tentava mostrar como avançar na questão da viabilidade social de perspectivas solidárias (ASSMANN e SUNG, 2003, p. 41). Carnelutti (2007, p. 5) afirma que [...] as razões pelas quais os homens não conseguem viver em paz no terreno da economia [...] ocorre(m) em virtude do chamado reinado do eu ou economia do egoísmo, e que para desfazer esse caos “é necessário substituir o egoísmo pelo altruísmo, o eu pelo tu. Observa-se com isso que, em todas as dimensões de solidariedade, o que se busca é o bem comum da coletividade e não é diferente quando se trata da questão econômica. Nesse contexto, nota-se que, nas duas últimas décadas, graças ao pensamento habermesiano, uma nova corrente tem se expandindo frente ao binômio Justiça e Solidariedade. A expressão economia solidária tem sido tomada como “maneira alternativa” para se pensar, consumir, poupar, produzir; como proposta para se romper com as tradições capitalistas; é vista como um instrumento de inovação, como resposta e mecanismo de luta contra os processos de exclusão social. No plano econômico, é forma de organização e ação através das quais pessoas ou grupos com interesses semelhantes se associam em torno da atividade econômica para vantagens comuns e/ou mútuas (ARCOVERDE, 2006). Assmann e Jung (2003, p. 66) consideram que a expressão economia solidária [...] está sendo empregada com significações bastante diferentes, que vão desde a exaltação do chamado Terceiro Setor [...] até um conjunto de ponderações importantes de economistas que [...] se esforçam por elaborar critérios acerca de determinadas políticas públicas com vista à perspectiva de um “mercado social”. Observa-se, então, uma mudança nos diferentes setores da sociedade quanto à questão da solidariedade, uma vez que ela não é mais vista apenas como caridade momentânea, mas como transformadora da realidade. São cada vez mais frequentes as ações dos países desenvolvidos no sentido de promover inclusão – através da geração de oportunidades (principalmente econômicas) aos países e populações menos favorecidos –, seja por meio de políticas públicas, seja através da iniciativa privada. Assim, nota-se, nas últimas décadas, uma preocupação crescente das grandes corporações – como o Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo – com a solidariedade, por meio dos mecanismos de livre-mercado, proporcionando, dessa forma, avanço na luta contra a pobreza (ASSMANN; SUNG, 2003). Prova disso é o número cada vez maior de organizações ditas “solidárias”, que vão desde políticas públicas até as iniciativas de empresas e organizações não governamentais, militando em prol de mudanças sociais. É inegável que em todos esses processos, mesmo atendendo por diferentes nomenclaturas, a solidariedade sempre foi o fator determinante para que eles se consolidassem como princípio fundamental que passa – indubitavelmente – por uma dimensão ética e de cooperação mútua. Valores estes que levam a lembrar a amizade política de Tomás de Aquino, fazendo, dessa forma, que se tenha uma real concretização da noção de justo. 3 DO TERMO SOLIDARIEDADE À CONCEPÇÃO PRINCIPIOLÓGICA DE DIREITOS HUMANOS Desde a passagem do século XIX e a partir do século XX, a sociedade demonstra a necessidade de mudar as relações entre indivíduos. O capitalismo dividiu o mundo entre patrões e empregados, sendo que estes (a grande maioria) produziam as riquezas, enquanto aqueles (uma ínfima parcela da população) as consumiam e usufruíam dos lucros. Por influência das ideias de Karl Marx, começaram a surgir os movimentos socialistas com a ideia de uma sociedade sem exploradores nem explorados (MONDAINI, 2008. p. 97). O que se constatou nos países que aderiram ao movimento socialista, entretanto, foi o aniquilamento dos direitos civis e políticos com a instauração de regimes autoritários e despóticos, já que todos passaram a estar sob a tutela do Estado. Viu-se também, conforme Mondaini (2008), uma mudança de paradigma dos países capitalistas que começaram a criar garantias e conceder direitos sociais às classes trabalhadoras, impelidos pelo medo de revoluções socialistas em suas fronteiras. Nos primeiros anos pós-Segunda Guerra Mundial, o que se pôde observar foi uma tendência universal de inconformismo face à exigência de direitos até então inexistentes. A partir daí, tanto nos agrupamentos sociais minoritários, como entre as maiorias, passou-se a exigir o reconhecimento de direitos civis, políticos e sociais que ainda se encontravam suspensos por barreiras preconceituosas e culturais, legitimadas pela discriminação social, opressão política e exploração econômica (MONDAINI, 2008, p. 141). Exige-se, desde então, que a democracia não seja mais um privilégio de elites, mas um legado de paz a toda a humanidade, tornando-se inviável haver um Estado Democrático de Direito sem direitos fundamentais e sem democracia. Garante-se, desse modo, não apenas direitos civis e políticos, como também direitos sociais imprescindíveis para a efetividade da dignidade da pessoa humana. A partir do momento que a dignidade é alçada à condição de princípio constitucional, o Estado passa a atuar como instrumento para afiançar a promoção dessa dignidade, no âmbito individual ou coletivo (SARLET, 2010, p.76). Arvorados pelo desejo de paz e ainda impactados pelas atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Embora não haja, expressamente, a expressão solidariedade na Declaração Universal dos Direitos do Homem, esta dispõe em seu art. 1º que todos devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Na verdade, já em seu preâmbulo justifica sua criação, trazendo como objetivo estabelecer definitivamente os direitos fundamentais do homem, dentre os quais o respeito inviolável pela dignidade da pessoa humana, entendidos como direitos humanos os direitos civis, políticos e sociais (MONDAINI, 2008). Em quase todas as partes do mundo, a partir de então, o que se tem visto são ações da sociedade na busca pela concretização desses direitos, e esta concretização tem sido positivada nos textos constitucionais de praticamente todos os países democráticos. A Constituição Brasileira de 1988 trouxe como baliza a tríade liberdade, igualdade e fraternidade. Determinou, dessa forma, a normatização dos direitos e garantias fundamentais evocados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, quais sejam: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. Instituiu esses direitos e garantias de modo amplo, digno e eficaz, em seu artigo 3º, ao positivar como objetivos essenciais da República Federativa do Brasil a liberdade, a justiça e a solidariedade, transformando-as em um fundamento da ordem constitucional. Com isso, o valor solidariedade foi alçado ao patamar de norma e, nesse caso, norma constitucional, mostrando que a sociedade deve pautar suas ações no sentido de firmar a construção da sociedade livre, justa e solidária. Rosso (2007, p. 214) afirma que o princípio da solidariedade pode ser visto como uma contraprestação devida pela existência de direitos fundamentais. Grosso modo seria afirmar que se o indivíduo tem direito tem também, em contrapartida, o dever de auxiliar outros indivíduos em situação pior que a sua. O Brasil também tomou posição frente a essa busca pela concretização dos direitos humanos. Cada vez mais é constante a conscientização dos poderes do Estado quanto à necessidade de positivação e solidificação de tais direitos na sociedade, seja na criação de leis que visam estabelecer direitos iguais a todos, seja nas políticas públicas que objetivam proporcionar emprego e renda, consolidando, assim, o princípio da solidariedade que subjaz o da dignidade da pessoa humana. 4 DISCUSSÃO DE RESULTADOS Ao se identificarem termos ou expressões representativos da solidariedade, foram criadas categorias com base nas concepções3 , o que permitiu perceber duas divisões distintas, mas intrinsecamente ligadas (conforme Figura 1). Como valor humanista, a solidariedade tem o conceito de cooperação e reciprocidade; como condição prática é entendida em uma perspectiva de funcionalidade e, nesse atual cenário, o principal aspecto pelo qual a sociedade tem olhado para a solidariedade é no sentido de economia solidária, que por sua vez subdivide-se através de políticas públicas sociais e por meio de organizações e associações. 3 A metodologia de mapeamento e identificação das categorias foi desenvolvida de acordo com Pasold (2007). Figura 1: Organograma das concepções de solidariedade. Fonte: Elaboração dos autores. Na perspectiva humanista, tem-se um olhar fraterno, como o sentido de solidariedade é aceito pela maioria da população hoje. Nesse aspecto, cooperação e reciprocidade com o próximo são concebidas, levando-se em conta aspectos fraternos que remontam a irmandade de Cristo, pregada pela Doutrina Social Católica na segunda metade do séc. XX. Ao se olhar para a condição prática da solidariedade, ressalta-se o pensamento de Habermas. Ele compreendia a necessidade de se pensar a solidariedade como forma de organização de uma sociedade, baseada em consensos coletivos, e defendia a questão de sua viabilidade social; isto é, Habermas via que a solidariedade poderia ser usada em um ângulo prático, aplicável. No atual cenário social, o termo solidariedade ganhou um entendimento voltado para a economia solidária. 5 CONCLUSÃO A compreensão do princípio da solidariedade perfaz o caminho dos conceitos concebidos ao longo dos séculos em torno do vocábulo. De uma forma mais específica, pode-se dizer que o termo solidariedade passa inicialmente por um processo de concepções, em diferentes fases, e posteriormente subdividese em categorias para análise. Primeiramente, há a concepção da Igreja Católica, advinda da filosofia de Tomás de Aquino e esta, por sua vez, subdivide-se. Surge a Doutrina Social Católica (DSC), originada na Alemanha, cujos critérios acabaram por influenciar o desenvolvimento da solidariedade como princípio de Estado. Contudo, na América Latina, a DSC não obteve o mesmo êxito que na Europa, pois não foi elevada a princípio de Estado. Surgiu, assim, um novo movimento conhecido como Teologia da Libertação (TL). De acordo com a TL, solidariedade é entendida como um meio para se criar ordem social, em que cada indivíduo pode participar integralmente das possibilidades colocadas pela vida e pela sociedade. A ideia de solidariedade passa, então, pelos sentidos de bem comum, pautando-se em dupla dimensão: irmandade/fraternidade e reciprocidade exercida entre iguais. Nesse sentido, percebe-se uma visão de solidariedade classista, de grupo, já que os indivíduos são iguais àqueles que possuem a mesma classe social. Outra concepção – em que se pauta solidariedade – é a sociopolítica, caracterizada principalmente pela Revolução Industrial e pelas ideias iluministas. No século XVIII, com a Revolução Industrial, a Europa, principalmente, passou por profundas transformações, inclusive de cunho social. A burguesia em ascensão aumentou a exploração da força de trabalho da classe operária, majorando a miséria da população. A partir desse ponto, passou-se a enxergar as chamadas injustiças sociais. Figura 2: Flecha do tempo do termo solidariedade Fonte: Elaboração dos autores (adaptado). Em contrapartida a esse cenário, surgiram as teorias socialistas que, dentre outros objetivos, propunham melhores condições de trabalho à classe operária; o entendimento de que apenas de maneira agrupada conseguiriam atingir objetivos individuais, deu origem aos primeiros sindicatos e associações. No mesmo período, ganhou força o pensamento do sociólogo Émile Durkheim, ao expor que no meio social há dois tipos de solidariedade: uma chamada mecânica, que acontece quando a consciência coletiva recobre a consciência individual; e a outra conhecida como orgânica, que é decorrente da divisão de trabalho. O autor criticava a solidariedade mecânica, por esta ser rígida, burocrática e automática entre os semelhantes. A solidariedade orgânica era vista como a cooperação entre os diferentes; esta se baseia em fenômenos socioculturais e se alimenta de um serviço de cooperação. Durkheim afirmava ainda que quanto maior fosse a diferenciação entre os indivíduos, maior seria a dependência de um em relação ao outro. A outra concepção do termo solidariedade pode ser chamada de jurídica e é vista como obrigação, no sentido de responsabilidade civil. Esse conceito origina-se no direito romano e implica em tornar solidários indivíduos em determinados negócios jurídicos. Compreende-se, como subdivisão da concepção jurídica, a solidariedade como princípio fundamental, porque é consagrada na Constituição e representa as bases éticas do sistema jurídico nacional; e – ainda que não possa ser reconhecida pela consciência jurídica universal – é indispensável para a preservação da dignidade humana. Atrelam-se a esse princípio constitucional valores alicerçados no bem comum e da amizade política. Do mesmo modo, para que o princípio da solidariedade seja genuinamente consolidado, faz-se necessário o sentimento altruísta subjacente à concretização da noção de justo. Figura 3: Organograma das concepções de solidariedade. Fonte: Elaboração dos autores. Percebe-se que – a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem – houve na sociedade uma conscientização da necessidade de aplicação do princípio da solidariedade nas relações. Em virtude disso, o homem passou a enxergar seus pares como seu semelhante, tanto por perspectiva de fraternidade quanto jurídica, já que a segunda metade do século XX foi marcada pela positivação desses direitos e princípios. A Constituição Brasileira trouxe a imperiosa necessidade de se aplicar o princípio da solidariedade na efetivação de direitos e deveres em uma sociedade para minimizar as desigualdades sociais. Não se trata mais de um sentimento pessoal – ou de uma aspiração de alguns grupos; trata-se de garantias constitucionais no ordenamento jurídico que representa o desejo da maioria da população. O grande mérito do princípio da solidariedade reside em ser instrumento de humanização de direitos e de trazer para a seara jurídica valores essenciais para a vida em sociedade. REFERÊNCIAS ARCOVERDE, Ana Cristina Brito; SOUZA, Izabel Leite de; FRAGOSO, Natacha de Melo. Economia solidária em Pernambuco: alternativa de emancipação frente ao desemprego e a exclusão social? 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