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Acacia Da Costa Do Amor Cardoso

Advogado    OAB/SE

advogada cívil e trabalhista com especialização em direito penal- constitucional. com experiência de mais quinze anos. foi procurador do município de santa luzia do itanhy, ...

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O Princípio Constitucional do Direito ao silêncio


O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO AO SILÊNCIO
 
 
O réu, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem. Pode calar-se ou até mesmo mentir. Ainda que se quisesse ver no interrogatório um meio de prova, só seria em sentido meramente eventual, em face da faculdade dada ao acusado de não responder. A autoridade judiciária não pode dispor do réu como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas: deve respeitar sua liberdade no sentido de defender-se como entender melhor, falando ou calando-se e ainda advertindo-o da faculdade de não responder (...). O único arbítrio há de ser sua consciência, cuja liberdade há de ser garantida em um dos momentos mais dramáticos para a vida de um homem e mais delicado para a tutela da sua dignidade. (GRINOVER, Ada Pelegrini). 1984, p. 111.
 
 
 
 
INTRODUÇÃO
Os direitos fundamentais podem ser entendidos como o conjunto de normas de um ordenamento jurídico que formam um subsistema deste fundado na liberdade, na igualdade, na segurança, na solidariedade, expressões da dignidade do homem. Podemos afirmar que o direito ao silêncio concedido ao acusado na persecução investigativa é não só direito fundamental, na modalidade de princípio geral, pois inserido entre os direitos emergidos com a formação do Estado Democrático de Direito, protegendo a liberdade e principalmente a dignidade do indivíduo, revelando a preocupação deste mesmo Estado em estabelecer uma jurisdição legítima. O estudo sobre a natureza jurídica do “nemo tenetur se detegere” ou simplesmente o direito ao silencio nos induz aos seguintes questionamentos: qual o seu real alcance, sua delimitação? O inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal assegura o direito ao preso de permanecer calado, será uma exegese puramente literal? Como se deu a incorporação do “nemo tenetur se detegere”  no direito brasileiro? Qual o posicionamento dos Tribunais Superiores diante da aplicabilidade do direito ao silêncio? São esses questionamentos que nos propusemos a responder, sem na verdade esgotar o assunto, que é muito amplo. O tema, no entanto, se impõe pela recorrência das discussões sobre a sua aplicabilidade.
 
Os direitos fundamentais podem ser entendidos como o conjunto de normas de um ordenamento jurídico que formam um subsistema deste, fundado na liberdade, na igualdade, na segurança, na solidariedade, expressões da dignidade do homem. São os direitos constitucionalmente positivados, direitos reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado. Os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem com as constituições nas quais foram reconhecidos e assegurados. A doutrina tradicional costuma estruturar os direitos fundamentais sob um ponto de vista material e formal. Formal devido a sua inserção em um texto positivado na Constituição Federal e material devido ao conteúdo das suas normas, posto que são essenciais para o ordenamento jurídico.
O direito ao silêncio concedido ao acusado na persecução investigativa é, não só direito fundamental, na modalidade de princípio geral, pois inserido entre os direitos emergidos com a formação do Estado Democrático de Direito, protegendo a liberdade e principalmente a dignidade do indivíduo, revelando a preocupação deste mesmo Estado em estabelecer uma jurisdição legítima.
O presente trabalho tem como objetivo analisar a delimitação e a natureza do direito constitucional ao silêncio, verificando ainda o posicionamento dos Tribunais Superiores.
 
 
 
- FUNDAMENTOS HISTÓRICOS E CONSTITUCIONAIS DO DIREITO AO SILÊNCIO – NEMO TENETUR SE DETEGERE.
 
A história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado Constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e na proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem. O mundo antigo por meio da religião e da filosofia veio a influenciar, diretamente o pensamento jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano pelo simples fato de existir, é titular de alguns direito naturais inalienáveis, é a chamada pré-história dos direitos fundamentais. De modo especial os valores, da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade do homem encontram suas razões na filosofia clássica, especialmente na greco-romana. A democracia ateniense constituía um modelo político fundado na figura de um homem livre e dotado de individualidade
Do antigo testamento herdamos a idéia de que o homem fora feito a imagem e semelhança de Deus. Da doutrina estóica greco-romana e do cristianismo, advieram por sua vez, as teses da unidade da humanidade e da igualdade de todos os homens perante Deus.
Enfatizamos a particular relevância, o pensamento de São Tomás de Aquino que além da referida concepção cristã da igualdade dos homens perante Deus, professava a existência de duas ordens distintas, formadas respectivamente pelo direito natural e a segunda pelo direito positivo.
No século XVII, a idéia dos direitos naturais inalienáveis do homem e da submissão das autoridades aos ditames do direito natural encontrou eco nas referidas obras de Hugo Grocio, sendo decisiva, porém a influência de John Locke sobre os autores iluministas, primeiro a reconhecer os direitos naturais e inalienáveis do homem, (vida, liberdade e propriedade), Locke desenvolveu a concepção contratualista que os homens têm o poder de organizar o Estado e a sociedade de acordo com sua razão e vontade, lançando assim as bases do pensamento individualista e do jusnaturalismo iluminista do século XVIII, o que por sua vez desaguou no reconhecimento dos direitos e liberdades dos indivíduos considerados como limites do poder estatal.
Para Kant, todos os direitos estão abrangidos pelo direito de liberdade, direito natural por excelência, que cabe a todo homem em virtude da sua própria humanidade, encontrando-se limitado apenas pela liberdade coexistente dos demais homens.
A declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 reconhecia ao ser humano direitos naturais, inalienáveis, invioláveis e imprescritíveis, direitos de todos os homens e não apenas de uma carta, direitos fundamentais de todo os cidadãos. Ingo Sarlet conceitua os direitos fundamentais sob os aspectos: formal e material
 
Os direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram por seu conteúdo de importância (fundamentalidade em sentido material) integradas ao texto da constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como os que por seu conteúdo e significado possam lhes ser equiparados, agregando-se à constituição material, tendo ou não assento na constituição formal (SARLET, 2001, p. 82).
 
Esses direitos fundamentais possuem gerações ou dimensões. Os direitos fundamentais de 1º dimensão, são os direitos do indivíduo frente ao Estado, são o direito à vida, a liberdade à propriedade, a igualdade e algumas garantias processuais: devido processo legal, habeas corpus, etc.
Os direitos humanos de 2ª dimensão visam propiciar um direito particular do bem estar social, caracterizando-se por outorgarem aos indivíduos direitos e prestações sociais estatais, como a assistência social, à saúde, a educação ao trabalho, constituindo-se em liberdades sociais, como exemplo temos a liberdade de sindicalização, o direito à greve; é a densificação da justiça social.
Os direitos fundamentais de terceira dimensão, também denominados de diretos da fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem das figuras individuais do homem destinando-se à proteção de grupos humanos. Temos como exemplo o direto à paz, a autodeterminação dos povos, a o desenvolvimento, ao meio ambiente, a qualidade de vida. Cuida-se na realidade de novas reivindicações do ser humano, geradas pelo impacto tecnológico. Compreendendo-se, portanto porque os direitos de terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade de modo especial em face de sua implicação universal.
Temos ainda os direitos fundamentais de 4ª dimensão, que segundo Paulo Bonavides é o resultado da globalização dos direitos fundamentais, correspondendo à derradeira fase de institucionalização dos direitos fundamentais; é formado pelo direito à democracia, à informação, assim como pelo direito ao pluralismo.
Um breve olhar lançado sobre as diversas dimensões dos direitos fundamentais nos revela que o seu processo de reconhecimento é de cunho dinâmico e dialético, marcado por avanços, retrocessos e contradições, sendo ainda importante ressaltar que os direitos fundamentais são frutos de reivindicações concretas geradas por situações de injustiças ou agressões a bens fundamentais e elementares do ser humano.
O Direito ao silêncio se encontra nos primórdios dos direitos fundamentais, desde o surgimento iluminista, no século XVIII, cujos contornos consubstanciavam as liberdades dos cidadãos frente ao arbítrio estatal, tudo isto em razão de um direito natural inerente a todo ser humano, inseridos, portanto, na primeira dimensão dos direitos fundamentais. O direito ao silêncio concedido ao acusado é não somente direito fundamental, pois inserido entre os direitos emergidos com a formação do estado democrático de direito que protege essencialmente a liberdade e a dignidade do indivíduo, mas também revela a preocupação destes mesmos Estados em estabelecer uma jurisdição legítima e ideal de uma coletividade.
No Brasil, temos uma longa caminhada à concretização do direito ao silêncio, como direito fundamental. A constituição do império de 1824 aboliu à prática da tortura. No Código de Processo Criminal da primeira instância de 1832, o interrogatório era considerado um meio de defesa, posto que todas as perguntas relativas ao fato elencadas no artigo 98 do Código, tendem a pedir ao réu provas da sua inocência, este se quisesse podia permanecer em silêncio, não se impedindo, porém, que de tal conduta lhe adviesse prejuízo.
A Constituição de 1891 estabeleceu genericamente no artigo 72, parágrafo 16, o direito ao silencio do acusado. O Decreto-Lei 3.689 estabeleceu no seu artigo 198 que: “o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz”.
A Constituição de 1988 consolidou a matéria quando dispôs no seu artigo 5º, inciso LXIII, que o preso era informado de seus direitos, entre outros os quais, o de permanecer calado, sendo-lhe assegurado à assistência da família e de advogado. Porém a lei 10.792 de 1º de dezembro de 2003 que alterou os artigos 185 a 196 do Código de Processo penal, em seu artigo 186, verbis, assim expressa:
 
Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, deve informar do seu direito de permanecer calado e de não responder as perguntas que lhe forem formuladas.
 
 
 
A reforma, porém manteve a redação do artigo 198 do Código de Processo penal, verbis: “o silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.”.
Notadamente o texto constitucional tenha se referido apenas ao preso, entendeu a doutrina e a jurisprudência que a interpretação da regra constitucional face ao princípio da presunção de inocência, deve ser no sentido de que a garantia ao silêncio seja assegurada a toda e qualquer pessoa que sofra investigação penal ou que esteja sendo acusada em juízo criminal, devendo o ônus de a culpabilidade ser imputado à acusação.
No processo Civil, o Pacto de São José da Costa Rica não estendeu tal direito ao silêncio às partes e as testemunhas, outrossim, a Constituição Federal fala em “preso”, ao tratar de tal direito (artigo 5º, inciso LXIII,) afastando a garantia do Processo Civil.
Dessa forma, o direito ao silêncio, no processo Civil, foi reconhecido às partes e as testemunhas, apenas no âmbito da legislação ordinária (artigo 347 a 406 do Código de Processo Civil).
 
No contexto do processo penal, tendo em vista o reconhecimento constitucional da prerrogativa de permanecer em silêncio, o investigado, o indiciado e o réu têm o direito subjetivo de se assim desejarem, não responderem as perguntas que lhe forem formuladas por qualquer autoridade, ou agente do Estado, portanto, escolhendo permanecerem calados, exercitando assim, legitimamente a prerrogativa que têm, não podendo sofrer qualquer restrição ou prejuízo de ordem jurídica, no plano da persecução criminal.
Rogério Lauria Tucci esclarece que o direto de permanecer calado
 
[...] não pode importar desfavorecimento do imputado, até mesmo porque consistiria inominado absurdo entender-se que o exercício de um direito, expresso na lei das leis como fundamental ao indivíduo possa acarretar-lhe qualquer desvantagem. (TUCCI, 1993.)
 
 
O direto ao Silêncio há de ser exercido de maneira plena, sem qualquer restrição. Na esfera desse pensamento o artigo 198 do Código de processo penal, perde sua eficácia quando comparado com a Constituição Federal, não tendo sido recepcionado pela lei maior, uma vez que aludem prejuízos ao interrogado face ao legítimo direito constitucional de permanecer em silêncio.
É importante enfatizar que apenas o denominado interrogatório de mérito, enquanto autodefesa, está acobertado pelo direto ao silêncio, devendo as perguntas sobre a qualificação do interrogado (artigo 188, caput do Código de Processo penal) ser prontamente respondidas.
O acusado ou indiciado deverá ser sempre informado sobre o direito de permanecer calado, posto que a ausência de tal informação resultará na nulidade do interrogatório sob duas dimensões, João Cláudio Couceiro, verbis:
 
A mais grave, consubstanciada na nulidade de todo o processo, a partir do interrogatório, se, no caso, o ato viciado redundou no sacrifício de auto defesa e, consequentemente, da defesa como um todo. Ou, na dimensão mais moderada, pela invalidade do interrogatório, com sua necessária repetição, mas sem que os atos sucessivos fiquem contaminados, se verificarem que o conteúdo das declarações não prejudique a defesa como um todo e atos sucessivos. (COUCEIRO, 2004)
 
- DIREITO AO SILÊNCIO – NATUREZA JURÍDICA
 
O direito que informa a juridicidade estatal aponta para a idéia de justiça. Um Estado de Justiça é aquele em que se observam e protege os direitos incluindo os direitos da minoria. Estado de justiça é também aquele em que há equidade na distribuição de direitos e deveres fundamentais e na determinação da divisão de benefícios da cooperação em sociedade
Será ainda considerado Estado Social de Justiça (justiça social), em que existe a igualdade de distribuição de bens e igualdade de oportunidades. A Justiça fará assim parte da própria idéia de direito que será concretizada através de princípios jurídicos materiais cujo denominador comum será a afirmação e o respeito à dignidade da pessoa humana, a proteção da liberdade, o desenvolvimento da personalidade e a realização da igualdade.
Outrossim, os direitos fundamentais são obrigatórios juridicamente porque são oriundos do princípio da dignidade da pessoa humana, onde  o direito ao silêncio encontra o seu fundamento. O sentido que se dará ao direito ao silêncio dependerá da importância que se dará ao indivíduo em face do Estado, em face de um Estado de direito, que é o Estado Constitucional, aquele que pressupõe a existência de uma constituição normativa, estruturante de uma ordem jurídica normativa fundamental.
As regras sobre os direitos individuais serão estabelecidas para a descoberta do conteúdo essencial de um direito fundamental, serão efetivadas através da aplicação do principio da proporcionalidade, sopesando assim qual o interesse que deverá prevalecer.
O direito fundamental ao silêncio representa em sua emanação a dignidade humana do acusado, representada aqui por sua integridade física e mental, ou seja, o conteúdo essencial. O conteúdo essencial e inviolável do direito ao silêncio é a proteção à integridade física e mental da pessoa humana, de forma que toda limitação imposta por Lei que não venha à afeta-la é legítima. Essa concepção é que foi acolhida pelo nosso Código de Processo Penal
Quanto aos tratados internacionais, estes passaram a consagrar definitivamente o direito ao silêncio como se deu na Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovados pela Assembléia Geral das nações unidas, em 1948, quando se referiu expressamente à presunção de inocência e a não utilização da tortura.
Na Convenção Americana sobre direitos Humanos aprovada na Conferência de São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, foi reconhecido o princípio do nemo tenetur se detegre entre as garantias mínimas a serem observadas a toda pessoa acusada de um delito.
Outrossim, o pacto Internacional sobre direitos Civis e Políticos adotados pela assembléia geral das Nações unidas em 16 de dezembro de 1966, que entrou em vigor em 23 de março de 1966, também se referiu expressamente ao princípio do direito ao silêncio que estabelece que toda pessoa acusada de um crime tem o direito de não se auto-incriminar.
O direito ao Silêncio integra um direito maior do cidadão, ou seja, a não colaboração na produção de qualquer prova que procure prejudicá-lo. Segundo João Cláudio Couceiro, verbis.
 
O direito ao silêncio e o direito de não ser interrogado são espécies do direito de não colaborar, não se confundindo entre si. Nem todos os procedimentos penais no Brasil, Prevêem o interrogatório judicial do acusado. Nos procedimentos tratados no Código de processo Penal, ele é sempre previsto (...). Entretanto, nos casos de crime de imprensa, o procedimento da Lei 5.250/1967, não prevê o interrogatório do acusado, que poderá ser requerido apenas pelo mesmo (artigo 45, III). Também o Código Eleitoral (lei 4.737? 1965) não previa até a Lei 10.732 d 05 09.2003, o interrogatório do acusado, o qual da mesma forma, só poderia ser realizado se este o requeresse. (COUCEIRO, 2004)
 
 
E continua o mesmo autor:
 
O direito ao silêncio insere-se no plano do direito material, na esfera de proteção à intimidade, que por sua vez, enquadra-se entre os direitos que constituem atributo da personalidade, enquanto o referido direito, no plano do direto processual, relaciona-se coam as regras que garantem o devido processo legal. (COUCEIRO, 2004)
 
- O DIREITO AO SILÊNCIO E O SEU ÂMBITO DE INCIDÊNCIA NA ÁREA PENAL
 
Segundo Maria Elisabeth Queijo (2003), não há distinção essencial entre o momento da incidência atribuída ao nemo tenetur se detegere, podendo este operar-se endoprocessual ou extraprocessual, ou seja, o direito de não se auto incriminar pode ser exercido no curso da investigação criminal ou em qualquer outra instância não penal, devendo ser respeitado o direito de não produzir elementos probatórios contra si mesmo. Na verdade o que se intenciona é que não seja nem desencadeada a investigação criminal, pois tal direito não é referente apenas ao processo penal já iniciado, mas sim a todas as situações que possa envolver uma acusação sobre o indivíduo.
Ressaltamos, porém que o direito de não produzir provas contra si mesmo deverá ser mantida sempre que existir relações de autoridade-indivíduo, principalmente quando houver procedimento instaurado de natureza extra-penal, de investigação criminal ou processual-penal incidindo assim a aplicação do direito ao silêncio, sempre que se exigir a colaboração do indivíduo, devendo assim existir a pretensão do Estado em apurar a existência de determinado fato.
O direito ao silêncio é o direito do indivíduo de não oferecer provas de que acarretem sua incriminação, quer seja em processo penal ou extra-penal, mas desde que haja instauração de procedimento investigativo, assim expressa Elisabeth Queijo:
 
Admitir que o nemo tenetur se detegere pudesse afastar a punibilidade de informações penais subseqüentes, praticadas para o encobrimento de delito anterior, sem que houvesse procedimento instaurado de natureza extra-penal, ou processual penal gerando disco concreto de auto-incriminação e sem que o interessado fosse chamado a colaborar, fornecendo elementos probatórios seria atribuir-lhe a condição de direito absoluto, que não encontraria qualquer limite no ordenamento jurídico, conduzindo-o a distorções em não raro servindo mesmo de estímulo para a perpetuação de crimes (...) dele não decorrer pira e simplesmente, a na punibilidade crimes conexos praticados para o ocultamento de outros. Não é esta a essência nem a sua ratio.
 
E conclui a autora:
 
Reconhecer ao nemo tenetur se detegere tal amplitude sudverteria o sistema e o próprio princípio, incentivando a violação de bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico. (QUEIJO, 2003)
 
 
Apenas para enfatizar, urge esclarecer que o direito ao silêncio abrange não somente os interrogatórios formais como também toda a oitiva do imputado realizada informalmente perante qualquer autoridade com atribuição para investigar, abrangendo tanto o interrogatório extrajudicial como aquele realizado em juízo, excluindo-se as declarações espontâneas. É óbvio e ululante que o exercício do direito ao silêncio está condicionado à prévia advertência, devendo esta constar expressamente do termo, bem como tem o imputado antes de ser advertido do seu direito ao silêncio, tem o direito de consultar o advogado bem como de ter ciência das provas produzidas contra si mesmo, conforme expressa o artigo 185 parágrafo 2º do Código de Processo Penal, verbis:
 
Artigo 185
[...]
Parágrafo 2º- Antes da realização do interrogatório, o juiz assegurará o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor.
 
Na redação do artigo 187 do Código de Processo Penal (lei 10.792) há a distinção de dois tipos de perguntas a serem dirigidas ao imputado: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. Na  primeira parte o interrogado será questionado sobre a sua vida, seus antecedentes, sua profissão e demais dados referentes à pessoa do acusado; na segunda parte será perguntado sobre o faro delituoso, acusação que lhe é feita, sendo que o direito ao silêncio só abrange o interrogatório de mérito, incidindo apenas as declarações relacionadas ao fato delituoso.
 
 
 
 
– O interrogatório e sua natureza jurídica
 
O interrogatório do acusado está disciplinado nos artigos 185 a 196 do Código de Processo Penal Brasileiro, inserido no título VII, dedicado à prova. Embora o entendimento da doutrina dominante, é de que esse ato processual possui caráter duplo, meio de prova e meio de defesa, O Código de Processo Penal vigente o considera como meio de prova. É importante ressaltar que o que caracteriza o interrogatório como meio de prova não é advertência do artigo 186 do Código de Processo Penal, se constituindo  como meio de prova independentemente do tratamento que a lei lhe conferir. Assim o interrogatório do acusado além de meio de defesa, constitui também meio de prova, e sendo meio de prova caberá ao juiz apreciá-lo em conjunto com as demais provas colhidas. Até porque segundo o artigo 157 “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova, isto é, será considerado todo o conjunto probatório”.
A esse respeito transcrevemos a decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:
 
Quando o juiz diz ao réu que ele não está obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas está assegurando seu direito ao silêncio e de maneira expressa, sem subterfúgios decorrentes da omissão. Com efeito, ele assegura o silêncio de maneira categórica ao réu, e quando diz que o silêncio pode (facultativo) ser interpretado em desfavor em desfavor de sua defesa, está apenas assinalando o que já se sabe, ou seja, a interpretação, decorrente do artigo 157 do Código de Processo Penal, ou seja, o juízo no seu livre convencimento, pode interpretar o silêncio da maneira como o conjunto de provas demonstrar. Alias, o preso será informado de que pode permanecer em calado (artigo 5º, inciso LXIII da Constituição da República), o que não significa dizer que ficando calado será absorvido ou obrigará o juiz no uso de seu arbitrium regulatun a interpretar o silêncio em seu favor [...] (JTJ192/307).
 
O direito ao silêncio, urge enfatizar que embora o ato do interrogatório seja obrigatório, ele deverá ser efetivado com a observância dos princípios constitucionais garantidores da intimidade, a liberdade, a consciência do acusado.
 
 
A vitima, as testemunhas, os procedimentos administrativos e a garantia constitucional do direito ao silêncio.
 
O direito ao Silêncio também abrange a vítima e as testemunhas, podendo a vítima silenciar sobre o fato próprio que implique em responsabilidade penal, civil ou administrativa. As testemunhas por outro lado, podem invocar o direito ao silêncio. Na verdade trata-se de proteção constitucional que abrange o silêncio parcial, condicionado à elaboração da pergunta, ou seja, não pode a testemunha negar qualquer relação de diálogo com o juiz. A proteção por sua vez se aplica a toda testemunha ouvida em qualquer procedimento investigatório, incluindo-se as Comissões Parlamentares de Inquérito.
No tocante aos procedimentos administrativos, a Constituição Federal assim estabelece em seu artigo 41, parágrafo 2º:
 
Artigo 41
[...]
Parágrafo2º- O servidor Público estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transita da em julgado ou mediante processo administrativo, em que lhe seja assegurada ampla defesa
 
Do texto se pode deduzir que da garantia da ampla defesa se infere o direito ao silêncio, lembrando ainda que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que o funcionário público também tem direito ao devido processo legal em processo administrativo.
Quanto aos procedimentos administrativos para a cobrança de tributos Hugo de Brito assim preleciona:
 
No momento em que o fiscal de tributos vai ao estabelecimento do contribuinte, está ainda que apenas tacitamente, afirmando ser este um infrator da lei. Inadmissível, também, é o argumento segundo o qual os crimes em questão, por sua peculiaridade exigem tratamento diverso do que é dispensado em relação aos acusados em geral.
 
E prossegue Hugo Brito:
 
Inadmissível porque não se pode conceber seja o contribuinte tratado com maior rigor do que o dispensado aos autores de crime como o tráfico de drogas, o seqüestro, o homicídio, o latrocínio e tantos outros, muito mais graves, muito mais danosos para a sociedade. Se os autores de todos esses crimes têm o direito ao silêncio, e o direito até de mentir para não se auto-incrminarem, como se pode negar o mesmo direito ao contribuinte que eventualmente tenha praticado um ilícito tributário, hoje definido como crime? (MACHADO, 1999 p.274.)
 
 
O direito ao silêncio é um direito fundamental de todo o cidadão. Ninguém, seja réu ou testemunha, poderá ser compelido a responder algo que futuramente poderá implicar confissão de cometimento ilícito. O direito de não produzir provas contra si mesmo não pode exclusivamente ser extraído do inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal, mas de todo um conjunto de princípios que asseguram a vasta amplitude do direito à plena defesa do indivíduo.
Como já observamos, qualquer pessoa que se vê na posição de acusado, pode exercer o direito ao silêncio, inclusive as testemunhas poderão exercer este direito quando as perguntas levem a auto-incriminação. É de bom alvitre destacar a diferença de tratamento que a testemunha deve merecer com relação ao acusado ou investigado. Enquanto que acusado, investigado, suspeito ou indiciado poderão permanecer em silêncio durante todo o depoimento, em virtude da garantia esculpida no artigo 186 do Código de Processo Penal, outrossim, a testemunha estando obrigada a depor sob pena de falso testemunho, somente poderá exercer esse direito, quanto às respostas do dever legal de dizer a verdade, quando questionada sobre fatos que possam levar a auto-incriminação.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal posicionando-se sobre a matéria, formaliza importância do direito ao silêncio, destacando inclusive, que a ausência da informação deste direito ao acusado no momento inquisitivo, gera a nulidade de todo o procedimento adotado. Destacamos o Habeas corpus da 1º Turma:
 
informação do direito ao silêncio (Const., art. 5?, LXIII): relevância, momento de exigibilidade, conseqüências da omissão: elisão, no caso, pelo comportamento processual do acusado. I. O direito à informação da faculdade de manter-se silente ganhou dignidade constitucional, porque instrumento insubstituível da eficácia real da vetusta garantia contra a auto-incriminação que a persistência planetária dos abusos policiais não deixa perder atualidade.
 
E continua:
 
II. Em princípio, ao invés de constituir desprezível irregularidade, a omissão do dever de informação ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas, assim como das provas delas derivadas. III. Mas, em matéria de direito ao silêncio e à informação oportuna dele, a apuração do gravame há de fazer-se a partir do comportamento do réu e da orientação de sua defesa no processo: o direito à informação oportuna da faculdade de permanecer calado visa assegurar ao acusado a livre opção entre o silêncio – que faz recair sobre a acusação todo o ônus da prova do crime e de sua responsabilidade – e a intervenção ativa, quando oferece versão dos fatos e se propõe a prová-la: a opção pela intervenção ativa implica abdicação do direito a manter-se calado e das conseqüências da falta de informação oportuna a respeito". (hábeas Corpus 1ª Turma. 1999 STF).
 
Ressaltando as nossas observações, o SupremoTribunal Federal resguardou o direito ao silêncio, não somente do indiciado em inquérito policial, ou mesmo ao acusado em processo penal, mas desde o momento em que o Estado através das suas funções, manifesta o jus puniendi, não estando, portanto o cidadão obrigado a produzir provas contra si mesmo.
 
CONCLUSÃO
 
O direito a não se auto-incriminar foi concebido em um primeiro momento a partir da interpretação sistemática de consagradas garantias constitucionais, especificamente os princípios da ampla defesa, da presunção de inocência e do devido processo legal, ou seja, ninguém será obrigado a se auto incriminar, não podendo o acusado ou suspeito produzir prova contra si mesmo.
Do amplo princípio expresso na Convenção Americana de direitos Humanos de que a pessoa não está obrigada a produzir prova contra si mesma decorre o direito ao silêncio, previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, quando assegura que o preso será informado de seus direitos entre os quais o de permanecer  calado, sendo-lhe assegurada assistência da família e de advogado. Embora o texto constitucional tenha se referido apenas ao preso entendem a doutrina e a jurisprudência que a interpretação da regra constitucional, tendo em vista o princípio da inocência deverá ser no sentido de que a garantia ao silêncio seja assegurada a toda e qualquer pessoa que sofra investigações penais ou que esteja sendo acusada em juízo criminal, até mesmo as testemunhas, como verificamos em decisão recente prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça.
O direito ao silêncio, porém não deverá ser aplicado isoladamente, dependendo efetivamente do direito à assistência legal adequada e do direito a ciência das provas até então produzidas, para que assim possa ser bem exercido. Embora a reforma introduzida pela lei 10. 792 de 01 de dezembro de 2003, não tenha tornado o interrogatório facultativo, estando este dividido em duas partes, sendo as perguntas referentes ao mérito ensejadoras da garantia do direito ao silêncio, sendo que isto não importará em condenação ou absolvição do réu, posto que o juiz avaliará todo o conjunto probatório de acordo com o seu livre convencimento. Ressaltamos entretanto que o processo não se constitui em um fim em si mesmo e  sua existência tem apenas um único objetivo: a concretização da justiça.
A inclusão do direito ao silêncio em nossa Constituição Federal representa importante conquista na concretização de um Estado Democrático de Direito, constituindo-se como princípio fundamental advindo do rol da primeira geração; integrando os preceitos impeditivos do agir estatal em prol da preservação dos direitos individuais. Um Estado Constitucional determinado pelos direitos fundamentais, assume feições de um Estado ideal e o mais importante, é reconhecer que a dimensão valorativa do direito constitucional ao silêncio, se constitui em noção intimamente vinculada à compreensão da sua aplicação, uma aplicação voltada a combater desmandos praticados, que não se coadunam com um Estado Democrático de Direito, que prioriza a dignidade da pessoa humana.
 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS
 
BULOS, Uadi Lammego. Constituição Federal Anotada. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007.
 
TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. Saraiva, 1993. Apud: Pagliuca, José Carlos Gobbis.
                                             
FERNANDES, Antônio Scarance. O Processo Penal Constitucional. 2ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
 
MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária - aspectos práticos e aplicação da lei. Bol. IBCCRIM, São Paulo, n.83, p.6.out.1999:IN Direito Constitucional ao Silêncio p.274.
 
SARLET, Íngo. A eficácia dos direitos fundamentais. 2ª edição. Porto alegre. Livraria do advogado, 2001, pág. 82.
 
Habeas Corpus, 1ª Turma, n.78.708- São Paulo- DJU de 16.04.1999.Disponível em WWW.stf.gov.br.
 
BRASIL. Vade Mecum. 636. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
 
BRASIL. Decreto-Lei nº. 3.698 de 3 de outubro de 1941.Lex: Vade Mecum, São Paulo,p.637. 2006
 
SPITZCOVSKY, Celso. O direito constitucional ao silêncio e suas implicações. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, nº. 824, 5 out.2005. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7361. Acesso em 22 jan.2008.
 
BARBIERO, L.J. O Direito Constitucional do Réu ao Silêncio e suas Conseqüências. Rondônia. 2005. Disponível em <http:/www.tj.ro.gov.br/emeron/revistas/revista5/05.htn>. Acesso em 22 jan. 2008.
 
BRASIL. Constituição (1988). Lex: Vade Mecum. Saraiva, São Paulo, p.25.2006.
 
COUCEIRO, João Cláudio. A garantia Constitucional do Direito ao Silêncio. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
 

O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DIREITO AO SILÊNCIO
 
 
O réu, sujeito da defesa, não tem obrigação nem dever de fornecer elementos de prova que o prejudiquem. Pode calar-se ou até mesmo mentir. Ainda que se quisesse ver no interrogatório um meio de prova, só seria em sentido meramente eventual, em face da faculdade dada ao acusado de não responder. A autoridade judiciária não pode dispor do réu como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas: deve respeitar sua liberdade no sentido de defender-se como entender melhor, falando ou calando-se e ainda advertindo-o da faculdade de não responder (...). O único arbítrio há de ser sua consciência, cuja liberdade há de ser garantida em um dos momentos mais dramáticos para a vida de um homem e mais delicado para a tutela da sua dignidade. (GRINOVER, Ada Pelegrini). 1984, p. 111.
 
 
 
 
INTRODUÇÃO
Os direitos fundamentais podem ser entendidos como o conjunto de normas de um ordenamento jurídico que formam um subsistema deste fundado na liberdade, na igualdade, na segurança, na solidariedade, expressões da dignidade do homem. Podemos afirmar que o direito ao silêncio concedido ao acusado na persecução investigativa é não só direito fundamental, na modalidade de princípio geral, pois inserido entre os direitos emergidos com a formação do Estado Democrático de Direito, protegendo a liberdade e principalmente a dignidade do indivíduo, revelando a preocupação deste mesmo Estado em estabelecer uma jurisdição legítima. O estudo sobre a natureza jurídica do “nemo tenetur se detegere” ou simplesmente o direito ao silencio nos induz aos seguintes questionamentos: qual o seu real alcance, sua delimitação? O inciso LXIII do artigo 5º da Constituição Federal assegura o direito ao preso de permanecer calado, será uma exegese puramente literal? Como se deu a incorporação do “nemo tenetur se detegere”  no direito brasileiro? Qual o posicionamento dos Tribunais Superiores diante da aplicabilidade do direito ao silêncio? São esses questionamentos que nos propusemos a responder, sem na verdade esgotar o assunto, que é muito amplo. O tema, no entanto, se impõe pela recorrência das discussões sobre a sua aplicabilidade.
 
Os direitos fundamentais podem ser entendidos como o conjunto de normas de um ordenamento jurídico que formam um subsistema deste, fundado na liberdade, na igualdade, na seguran&cced

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