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Isabella Góes Viana

Advogado    OAB/BA

advogada, inscrita na ordem dos advogados do brasil, seção do estado da bahia sob o nº 39.845

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A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1641, II DO CÓDIGO CIVIL DE 2002.

RESUMO
O presente artigo objetiva discutir a constitucionalidade do art. 1641, II do nosso atual Código Civil. Entende-se a necessidade de rever e questionar se tal dispositivo infraconstitucional está de acordo com as normas e princípios constitucionais. Objetiva-se mostrar que tal dispositivo fere o princípio da dignidade da pessoa humana, da liberdade e da igualdade, previstos na Carta Magna de 1988.

PALAVRAS-CHAVE: Princípios constitucionais; Inconstitucionalidade; Separação total de bens; Nubente idoso.

ABSTRACT
This article discusses the constitutionality of Art. 1641, II of our current Civil Code. It is understood the need to review and question whether such a device infra complies with the standards and constitutional principles. The objective is to show that such a device violates the principle of human dignity, freedom and equality, provided for in the 1988 Constitution.

KEYWORDS: Constitutional principles; Unconstitutionality; Separation total assets; betrothed elderly.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO – 2. REGIME DE BENS APLICADO AO NUBENTE IDOSO – 3. ANÁLISE DA LEI 12.344/2010 QUE ALTERA A IDADE EM QUE SE TORNA OBRIGATÓRIO O REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS PARA O NUBENTE IDOSO – 4. VIOLAÇÃO DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS – 5. AFRONTA AO ESTATUTO DO IDOSO: LEI N° 10.741/2003 – 6. DEFESA DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1641, II DO CÓDIGO CIVIL – 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS – 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. INTRODUÇÃO
O presente estudo apresenta, embasado na legislação, jurisprudência e doutrina, discussão sobre a constitucionalidade do art. 1641, II do Código Civil de 2002 que prevê o regime da separação total de bens para o nubente com mais de setenta anos. Alteração ocorrida recentemente com a lei n° 12.344/2010, criada justamente para aumentar para setenta anos a idade em que se torna obrigatório o regime da separação total de bens, pois a idade em que se tornava obrigatório tal regime era de sessenta anos.
Repensando e ressignificando valores humanos, sobretudo de igualdade, percebe-se que em tal texto repousam algumas lacunas que nos levam então a tantos outros questionamentos que permeiam acerca do real interesse do Estado em impor ao nubente idoso o regime da separação total de bens.
Tal trabalho repousa no objetivo de analisar a constitucionalidade do citado dispositivo do Código Civil que impõe o regime da separação total de bens ao nubente com mais de setenta anos, sobretudo apontar a controvérsia havida na legislação constitucional e infraconstitucional; discutir a constitucionalidade do regime da separação total de bens para o nubente maior de setenta anos, previsto no Código Civil de 2002; debater ainda o citado dispositivo tomando como base os princípios constitucionais, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da igualdade, princípio da liberdade e o princípio da intimidade e vida privada das pessoas.
O primeiro tópico irá tratar do regime de bens aplicado ao idoso caso o mesmo queira contrair matrimônio. Neste caso, conforme será explicado, o nubente na condição de idoso não tem a liberdade de decidir qual o regime de bens que irá reger o casamento.
O segundo tópico trata de uma análise feita da Lei n° 12.344 de 09 de setembro de 2010 criada para alterar a idade em que se torna obrigatório o regime de bens aplicado ao nubente idoso, pois antes da referida lei entrar em vigor e aumentar para setenta anos tal regime, a idade em que se tornava obrigatório o regime da separação total de bens era de sessenta anos.
O terceiro tópico, talvez o tópico chave deste trabalho, irá discutir os motivos pelos quais o dispositivo do Código Civil pode ser considerado inconstitucional tendo em vista que viola garantias previstas na Constituição Federal de 1988. Entende-se a necessidade de se rever e questionar a constitucionalidade do art. 1641, II do Código Civil de 2002, uma vez que tal dispositivo pode ser considerado incompatível com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da liberdade e da vida privada das pessoas.
O quarto tópico objetiva destacar as garantias que o Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/2003) traz no âmbito da atual Carta Magna e visa argumentar porque de fato o dispositivo infraconstitucional não fere somente princípios e garantias constitucionais, mas fere também o Estatuto do Idoso, criado para dar uma proteção especial para o idoso e livrá-lo de certos tipos de discriminação.
O quinto tópico abre espaço para a manifestação de pensamento de doutrinadores que visam a defesa da manutenção do art. 1641, II do diploma civil. Essa parte minoritária da doutrina traz argumentos favoráveis e defendem a constitucionalidade do referido dispositivo, argumentando que o interesse estatal é de proteger os interesses do nubente idoso e de sua família.
O sexto e último tópico conclui o trabalho, evidenciando a postura crítica e analítica do ponto de vista individual, tomando como objetivo central o referencial teórico a ser discutido neste trabalho.
Considerando a relevância social do problema, urge a necessidade de buscar e apresentar uma resposta compatível, onde através de argumentos com base na doutrina, legislação e jurisprudência, caracteriza-se esta discussão como referencial necessário à formação do estudante do curso de Direito. Diante do exposto, o trabalho está embasado em discutir a constitucionalidade do dispositivo em questão do atual Código Civil.
O método a ser adotado para esta linha de pesquisa será o dialético. Ademais, serão analisados como fonte de pesquisa a doutrina jurídica, livros atuais e jurisprudência dos Tribunais.

2. REGIME DE BENS APLICADO AO NUBENTE IDOSO
De acordo com o art. 1.641, II do Código Civil: “É obrigatório o regime da separação total de bens no casamento: II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos”.
Segundo Silvio de Salvo Venosa:
Este regime isola totalmente o patrimônio dos cônjuges e não se coaduna perfeitamente com as finalidades da união pelo casamento. [...] Esse regime decorre não só da vontade dos nubentes, mas também por imposição legal, conforme apontamos.
Tal regime prega pela incomunicabilidade de bens, ou seja, cada cônjuge conserva para si a posse, domínio e propriedade de cada um dos seus bens presentes e futuros e também a responsabilidade pelas dívidas ou créditos constituídos antes ou depois do casamento. Independe da vontade das partes e está prevista no art. 1641, inciso II do diploma civil. Parece que o objetivo da imposição do regime é “punir” os nubentes, subtraindo deles a vontade e, sobretudo, a liberdade de decidir sobre seus bens.
Quanto a essa conceituação, pondera Maria Berenice Dias:
Trata-se de mera tentativa de limitar o desejo dos nubentes mediante verdadeira ameaça. A forma encontrada pelo legislador para evidenciar sua insatisfação frente à teimosia de quem desobedece o conselho legal e insiste em realizar o sonho de casar é impor sanções patrimoniais.
Essa regra imposta nos traz a ideia que justifica a ingerência que o Estado exerce sobre a vontade individual. A supressão do direito de escolha viola não somente princípios de ordem constitucional, mas viola também os princípios que regem o regime de bens existentes no Brasil, que são: princípio da variedade do regime de bens, princípio da liberdade de estipulação e o princípio da mutabilidade justificada do regime de bens.
O princípio da variedade do regime de bens é o que regula a diversidade de regime de bens existentes, resguardando aos nubentes o direito de escolher a melhor modalidade de regime que irá regular o matrimônio que irão contrair posteriormente. Nas palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
Desta maneira, exceto nas excepcionais situações expressamente contempladas no texto legal (CC, art. 1.641), nas quais impõe o legislador um especial regime separatório dos bens, poderão os nubentes, quando da habilitação matrimonial perante o Cartório do Registro Civil de Pessoas Naturais, livremente, eleger o estatuto patrimonial do casamento. Para a adoção de um determinado regime de bens basta às partes a simples menção ao seu título ou mesmo aos artigos de lei que o regulamentam.
É o chamado princípio da variedade de regimes.
O princípio da mutabilidade justificada do regime de bens permite a alteração do regime de bens por meio de um processo judicial. Depois de casados, se um casal pretende alterar o regime de bens que rege o matrimônio, ambos deverão ingressar com uma ação judicial mediante a existência de justificativa para que o juiz então, por meio de sentença, permita a alteração. Ademais, devem ser preenchidos todos os requisitos pra que o regime de bens possa ser modificado e quem bem destaca estes requisitos são os mesmos autores, segundo os quais:
Assim, a partir da intelecção do pré-falado dispositivo codificado (CC, art. 1.639, § 2°), a modificação do regime de bens, após a celebração do matrimônio, depende de i) pedido formulado por ambos os cônjuges; ii) autorização judicial, em procedimento de jurisdição voluntária; iii) indicação do motivo relevante; iv) inexistência de prejuízo de terceiros e dos próprios cônjuges.
Por fim, o último princípio, e o que mais interessa, é o princípio da liberdade de estipulação, que decorre da liberdade de escolha, sendo então o direito que o indivíduo tem de se auto-regulamentar. Ainda, de acordo com os mesmo autores:
Deste modo, podem os nubentes eleger, livremente, o regime de bens que julgar mais adequado. Todavia, para o exercício deste direito de escolha do estatuto patrimonial, impõe-se, de outro lado, (CC, art. 1.653), a celebração de um negócio jurídico formal (chamado pacto antenupcial), através de escritura pública a ser registrada no Cartório de Imóveis. Assim, a liberdade de escolha deve ser exercida pelo modo e pela forma exigidos na legislação (pacto antenupcial celebrado por escritura pública), sob pena de invalidade.
No caso do nubente idoso, a escolha de qualquer regime de bens é negada tendo em vista a imposição do regime da separação total de bens. Aqui, o poder do indivíduo de ter a sua autonomia privada está longe de acontecer em decorrência desta imposição estatal, sob a infundada alegação de que está tão somente protegendo os interesses privados da pessoa idosa e de sua família.
O próprio Código Civil, em seu art. 1.639 estatui que: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”; e o parágrafo único do art. 1.640 reza que “poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula”. Há a necessidade de pacto antenupcial quando os nubentes resolvem alterar o regime de bens que a lei determina (regime da comunhão parcial), porém, no caso do nubente idoso não há essa necessidade porque o regime da separação total é o regime imposto por lei, dispensando-se assim o pacto antenupcial.
Desta forma, do citado texto da lei, verifica-se que, aos maiores de setenta anos, a vontade de escolher um regime que melhor lhes aprouver é negada, ou seja, a lei lhes impõe o regime a ser adotado sob o argumento de proteção patrimonial e para evitar os chamados “golpes do baú”. Porém, é notório que esta imposição concorre em nítida violação ao direito de escolha.

3. ANÁLISE DA LEI 12.344/2010 QUE ALTERA A IDADE EM QUE SE TORNA OBRIGATÓRIO O REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS PARA O NUBENTE IDOSO
Esta lei entrou em vigor a fim de aumentar para setenta anos a idade em que se torna obrigatório o regime da separação total de bens para o nubente idoso. Ressalte-se que, conforme dito alhures, a idade em que se tornava obrigatório no Código Civil de 2002 este regime era de sessenta anos para ambos os sexos e, antes do diploma civil de 2002 entrar em vigor, a idade para tal proibição era de cinquenta anos para as mulheres e sessenta para os homens. A partir desta nova lei, homens e mulheres acima de setenta anos não tem mais a opção de escolha, a liberdade de definir o regime de bens ao qual querem para o seu casamento.
Nas palavras de Rodrigo da Cunha Pereira,
Esta nova lei tem o mérito de trazer à reflexão e proporcionar a importante discussão sobre os limites de intervenção do Estado na vida privada dos cidadãos, sobre a contradição da restrição à liberdade de escolha do regime de bens do casamento, sobre expectativas de herança, enfim, sobre os perigos das paixões.
O fato que deve ser esclarecido é que aos maiores de setenta anos é vedada a escolha de qualquer regime de bens. Eles não terão plenitude de capacidade para eleger o regime de bens que lhes aprouver. A supressão do direito de escolha viola o princípio da dignidade da pessoa humana e da liberdade e a norma constitucional da intimidade e vida privada das pessoas (art. 5°).
É importante ressaltar que está em tramitação no Senado Federal o Projeto de Lei número 209/2006, onde tem como autor o Senador José Maranhão, com o objetivo de revogar o inciso II do artigo 1.641 do Código Civil. Como bem justifica o Senador é:
[...] uma intervenção estatal abusiva na instituição familiar, como também uma evidente violação, de caráter discriminatório, do princípio da dignidade da pessoa humana, que se encontra consubstanciado no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal (CF).
Impende destacar também que existe um Projeto de Lei número 4944/2009, de autoria do deputado Osório Adriano que visa aumentar para oitenta anos a idade em que se torna obrigatório o regime da separação legal devido a expectativa de vida do brasileiro ter aumentado nos últimos anos. Porém, o que é bastante perceptível é que a simples alteração do dispositivo não retira o seu núcleo discriminante e o seu caráter de poder abusivo por parte do ente estatal.
Quem bem critica esta disposição é a autora Maria Berenice Dias, segundo a qual:
O Estado acaba de conceder aos idosos mais 10 anos de lucidez. Dos 60 aos 70 anos. [...] Agora - sabe-se lá baseado em que estudos, teorias ou descobertas - acaba de ser decretado que até os 70 anos homem e mulheres tem plena capacidade. Depois desta idade, os "velhinhos" podem tudo. Ou quase. Continuam com o direito de fazer o que quiserem: votar e serem eleitos; seguir trabalhando; sustentar a família; tirar empréstimos consignados. Também podem fazer o que desejarem de seus bens. Só não são livres para casar. Até podem fazê-lo, mas a lei presume que ninguém ama alguém com mais de 70 anos e tenta protegê-lo deste ingênuo sentimento.
Em consonância com tal entendimento, lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho:
Aliás, com 60 anos (como era o limite original do dispositivo), 70 anos (na atual redação), ou mais idade ainda, a pessoa pode presidir a República. Pode integrar a Câmara dos Deputados. O Senado Federal. Poderia, ainda, no limite etário original de 60 anos, compor a mais alta Corte Brasileira, na condição de ministro!
Desta forma, o que pode se extrair do dispositivo do Código Civil e, sobretudo da mudança trazida pela nova Lei é que, no momento em que o indivíduo completa setenta anos de idade, torna-se incapaz de viver um amor sincero e honesto e livre para decidir sobre o seu patrimônio e a sua disposição patrimonial. A pessoa que se aproxima está interessada nos bens deste indivíduo, daí o Estado para “proteger” torna-se tutor em decorrência da idade.

4. VIOLAÇÃO DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
O princípio da igualdade uniformiza todo o ordenamento jurídico brasileiro e é a partir dele que deverá se extrair se uma norma é constitucional ou não. O preâmbulo da Constituição Federal de 1988 diz o seguinte:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (grifo nosso).
E o art. 5° que cuida dos direitos e garantias fundamentais estabelece que: Art. 5° - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...). (grifo nosso).
A imposição do regime da separação total de bens para os nubentes com mais de setenta anos é totalmente incompatível com as cláusulas e garantias constitucionais e fere progressivamente a tutela da dignidade da pessoa humana e da igualdade, ao mesmo tempo em que há uma intromissão por parte do Estado na intimidade e na vida privada das pessoas, porque impõe ao nubente idoso um regime de bens caso queira contrair matrimônio.
Esta imposição atua ainda de forma constrangedora, quando o poder estatal também impõe de forma categórica ao nubente idoso um regime de bens – que talvez nem ele mesmo esteja de acordo – caso queira contrair matrimônio, ferindo princípios de ordem tanto constitucional quanto moral, sem esquecer que o real interesse do Estado está caracterizado em amealhar heranças de pessoas idosas, e não de protegê-las contra possíveis cônjuges interesseiros, vulgarmente denominados como “golpes do baú”, como afirmam alguns doutrinadores.
A teoria utilizada para que a medida fosse incluída no Código Civil é para evitar os chamados “casamentos por interesse” ou “golpes do baú” em pessoas idosas pelo fato de a pessoa já ter chegado numa certa idade e ter seu patrimônio estabilizado. Porém tal teoria carece de argumento suficiente, tendo em vista que fere demasiadamente os princípios acima citados, ao passo que age com discriminação contra a pessoa idosa.
Conforme Ana Luiza Maia Nevares:
Quanto ao primeiro argumento, é preciso fazer uma reflexão sobre a sua pertinência diante dos valores consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil. Isso porque, ao impor um determinado regime de bens a pessoa plenamente capaz, cerceia-se a sua liberdade e, por consequência, o livre desenvolvimento de sua personalidade. [...] Já quanto ao segundo argumento, a saber, o fato de a pessoa, em idade mais avançada, já ter se estabelecido profissionalmente e construído o seu patrimônio, de fato, esta é, na maioria dos casos, a realidade do desenrolar natural da vida. No entanto, tal motivação, por si só, não justifica limitar a liberdade de pessoa plenamente capaz.
Sem dúvida, o dispositivo do Código Civil afronta direitos e garantias fundamentais, quando deveria estar em consonância com a Lei Maior, sendo possível afirmar que o legislador incorreu em flagrante inconstitucionalidade, tendo em vista a incompatibilidade deste dispositivo com os princípios e valores que regem a Carta Magna.
Além disto, podem ocorrer matrimônios por interesse em qualquer idade, como bem destaca Caio Mário da Silva Pereira quando afirma que:
[...] não se encontra justificativa econômica ou moral, pois que a desconfiança contra o casamento dessas pessoas não tem razão para subsistir. Se é certo que podem ocorrer esses matrimônios por interesse nessas faixas etárias, certo também que em todas as idades pode existir.
Com essa afirmação, é certo que pessoas oportunistas que almejam tirar proveito econômico através de um casamento estão em todo lugar, e esse casamento pode se dar em qualquer faixa etária. Porém, o que não é certo é que haja uma intromissão do Estado na vida privada das pessoas a esse ponto. O nubente idoso pode alienar, doar ou dar qualquer destinação que julgar certa para o seu patrimônio e não pode o legislador limitar injustamente a sua vontade partindo do pressuposto de que o idoso é alvo fácil de casamentos por interesse.
A jurisprudência e a doutrina de forma majoritária consideram absolutamente cheia de preconceito e discriminação a imposição legal. Nesse sentido, há jurisprudência reconhecendo a inconstitucionalidade do dispositivo, como o Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
EMENTA: ANULAÇÃO DE DOAÇÃO. REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. Descabe a anulação de doação entre cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória de bens, quando o casamento tenha sido precedido de união estável. Outrossim, o art. 312 do Código Civil de 1916 veda tão somente as doações realizadas por pacto antenupcial. A restrição imposta no inciso II do art. 1641 do Código vigente, correspondente do inciso II do art. 258 do Código Civil de 1916, é inconstitucional, ante o atual sistema jurídico que tutela a dignidade da pessoa humana como cânone maior da Constituição Federal, revelando-se de todo descabida a presunção de incapacidade por implemento de idade. Apelo, à unanimidade, desprovido no mérito, e, por maioria, afastada a preliminar de incompetência, vencido o Em. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. (Apelação Cível Nº 70004348769, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 27/08/2003)
O enunciado n° 125 da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, em conformidade com os princípios constitucionais, tem como proposta revogar o dispositivo do art. 1.641, II do nosso Código Civil. Este enunciado justifica-se ao dispor que:
Enunciado n° 125 - A norma que torna obrigatório o regime da separação absoluta de bens em razão da idade dos nubentes não leva em consideração a alteração da expectativa de vida com qualidade, que se tem alterado drasticamente nos últimos anos. Também mantém um preconceito quanto às pessoas idosas que, somente pelo fato de ultrapassarem determinado patamar etário, passam a gozar da presunção absoluta de incapacidade para alguns atos, como contrair matrimônio pelo regime de bens que melhor consultar seus interesses.
Importante frisar também que, ao impor ao nubente idoso tal condição, o dispositivo em comento do Código Civil fere também os princípios que regem o regime de bens, quais sejam o princípio da liberdade de escolha do regime de bens e o da liberdade dos pactos antenupciais.
Na mesma linha de raciocínio lógico, os autores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam que:
(...) impõe a lei civil restrição á liberdade de escolha do regime de bens do casamento quando um dos nubentes tiver mais de setenta anos de idade (CC, art. 1.641,II) em nítida violação aos princípios constitucionais. Efetivamente trata-se de dispositivo legal inconstitucional, às escâncaras, ferindo frontalmente o fundamental princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1°, III), por reduzir a sua autonomia como pessoa e constrangê-lo pessoal e socialmente, impondo uma restrição que a norma constitucional não previu.
A impressão que se tem é que o fato de ter chegado aos setenta anos retira a capacidade civil de decidir o regime que deseja adotar caso queira casar-se. Em conformidade com esse entendimento, afirma o Senador Valmir Raupp, relator da matéria do projeto de lei que aumentou para setenta anos a idade em que se torna obrigatório o regime da separação total de bens no caso no nubente idoso que:
Nos parece anacrônico impor à pessoa maior de 60 anos, haja vista a sua plena capacidade para exercer atos da vida civil, a norma que obriga o regime da separação de bens no casamento. Até porque os bens da pessoa idosa que foram por ela conquistados não só podem, como devem ser partilhados na forma que ela entender ser a melhor, ainda que o futuro casamento não persista por muito tempo.
Na I Jornada de Direito de Família, promovida pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado da Bahia, foram discutidos temas atuais referentes ao Direito de Família. Foram aprovados diversos enunciados, e dentre estes, com o resultado dos debates aprovado À UNANIMIDADE, o que afirma ser inconstitucional o art. 1.641, II, do Código Civil. Veja-se o que diz este enunciado:
Enunciado n° 02 – Na perspectiva de respeito à dignidade da pessoa humana, é inconstitucional a imposição do regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.641, II do Código Civil, às pessoas maiores de setenta anos. (grifo nosso)
Desta forma, é possível sustentar a inconstitucionalidade do dispositivo do Código Civil de 2002 tendo em vista que fere gradativamente a Carta Magna de 1988, pois ao passo que a nossa atual Constituição Federal em seu art. 5º proclama que todos são iguais perante a lei, o Código Civil, por seu turno, prega desigualdade e discriminação enquanto impõe o regime da separação total de bens para o nubente idoso.
Procede o entendimento de Fábio Ulhoa Coelho quando afirma:
Mas é inconstitucional a lei quando impede a livre decisão quanto ao regime de bens aos que se casam com mais de 70 anos. Trata-se de uma velharia, que remanesce dos tempos em que se estranhava o casamento com essa idade elevada [...]. Hoje em dia, a permanência da obrigatoriedade do regime de separação afronta o princípio constitucional da dignidade humana.
Nessa mesma esteira de raciocínio lógico, Paulo Lôbo se refere ao dispositivo infraconstitucional da seguinte maneira:
Entendemos que essa hipótese é atentatória ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, por reduzir sua autonomia como pessoa e constrangê-lo a tutela reducionista, além de estabelecer restrição à liberdade de contrair matrimônio, que a Constituição não faz. Consequentemente, é inconstitucional esse ônus. Melhor seria se o legislador reconhecesse que o dispositivo em comento do Código Civil é flagrantemente inconstitucional e agride absurdamente o principio da dignidade da pessoa humana, uma das bases da Constituição da República.
À luz das garantias constitucionais, o que de fato existe é uma aberração pelo que determina o art. 1.642, II do Código Civil. Há uma intervenção do estado nos interesses privados das pessoas, pondo-se esta regra legal em confronto com os princípios da liberdade, da igualdade e da dignidade humana.
Maria Helena Diniz é criteriosa em afirmar que:
Mas não se pode olvidar que o nubente, que sofre tal capitis diminutio imposta pelo Estado, tem maturidade suficiente para tomar uma decisão relativamente aos seus bens e é plenamente capaz de exercer atos da vida civil, logo, parece-nos que, juridicamente, não tem sentido essa restrição legal em função da idade avançada do nubente [...]
Porém, partindo da premissa de que a real intenção do Estado é proteger os interesses do nubente idoso, o que parece na verdade, é que o único interesse do Estado é o de amealhar riquezas, sem contar que, há uma presunção estatal de que se uma pessoa idosa vai casar, inevitavelmente este casamento será por mero interesse, desprezando o estado a ideia que uma pessoa idosa pode se apaixonar e reviver um relacionamento saudável com confiança e respeito, conforme já explanado acima. Tal restrição à autonomia da vontade do maior de setenta anos se faz com nítido caráter restritivo, de protetivo nada tem.
Ainda, de acordo com Rolf Madaleno:
Manter a punição da adoção obrigatória de um regime sem comunicação de bens porque as pessoas casaram sem observarem as causas suspensivas da celebração do casamento ou porque contavam com mais de setenta anos de idade, ou ainda porque casaram olvidando-se do necessário suprimento judicial, é ignorar princípios elementares de Direito Constitucional. Em face do direito à igualdade e à liberdade ninguém pode ser discriminado em função do sexo ou da idade, como se fossem causas naturais de incapacidade civil. Atinge direito cravado na porta de entrada da Carta Política de 1988, cuja nova tábua de valores coloca em linha de prioridade o princípio da dignidade humana.
A problemática situa-se em saber se é juridicamente possível a restrição imposta ao nubente idoso, observadas as garantias e os princípios constitucionais, pois mesmo antes da alteração no dispositivo do diploma civil de 2002, com o advento da Lei n° 12.344/2010, já se considerava a inconstitucionalidade do art. 1.641, II. Dessa forma, merece destaque a advertência de Guilherme Calmon Nogueira da Gama quando afirma que:
De modo inconstitucional, o art. 1.641, parágrafo único, inciso II, do Código Civil instituiu o regime obrigatório de separação de bens caso um dos nubentes (ou também ambos) tenha idade superior a 60 (sessenta) anos. Com efeito, a idade de 60 (sessenta) anos não gera qualquer tipo de incapacidade ou restrição negocial, reconhecendo-se à pessoa idosa a aptidão para a realização de todos os atos e negócios jurídicos, inclusive por força do princípio da igualdade. Assim, qualquer obstáculo ou restrição ao exercício das situações jurídicas à pessoa idosa, como a imposição do regime de separação de bens, revela-se de patente inconstitucionalidade, além de ser clara regra que estabelece odiosa e inconstitucional discriminação em razão da idade (art. 3°, inciso IV, da Constituição Federal).
A proibição quanto à liberdade de escolha do regime de bens pelo nubente idoso reflete a cultura patrimonialista herdada pelo Código Civil de 1916, que não deve mais prevalecer, pois acima estão os princípios e garantias constitucionais.
Portanto, não é razoável, muito menos plausível que uma pessoa seja obrigada a adotar o regime da separação total de bens que a lei impõe caso tenha setenta anos ou mais. A inconstitucionalidade do art. do Código Civil justifica-se pela incompatibilidade com a Constituição Federal, pelo que fere o princípio da igualdade; e também por retirar do idoso a sua capacidade de decidir qual o regime matrimonial deseja adotar.

5. AFRONTA AO ESTATUTO DO IDOSO: LEI N° 10.741/2001
No âmbito da Constituição Federal de 1988, o Estatuto do Idoso surgiu para atuar como uma medida de proteção ao idoso e tem como objetivo principal evitar qualquer forma de discriminação em decorrência da idade mais avançada. A referida lei garante a todos com idade igual ou superior a sessenta anos uma proteção legal, lhe assegurando a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis (art. 10). (grifo nosso).
Segundo Maria Berenice Dias:
(...) das várias previsões que visam a suspender a realização do casamento, nenhuma delas justifica o risco de gerar enriquecimento sem causa. Porém, das hipóteses em que a lei determina o regime de separação obrigatória de bens, a mais desarrazoada é a que impõe tal sanção aos nubentes maiores de 70 anos (CC 1.642,II), em flagrante afronta ao Estatuto do Idoso. A limitação da vontade, em razão da idade, longe de se constituir em uma precaução (norma protetiva), se constitui em verdadeira sanção. Desta maneira, é possível sustentar a inconstitucionalidade do referido dispositivo posto que fere não só a Constituição Federal, mas também o Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/2003), pois entre as garantias previstas na Constituição Federal, quando assegura que todos são iguais perante a lei (art. 5°, CF), existem as garantias previstas no Estatuto, que assegura que o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (art. 2°) e que nenhum idoso será objeto de discriminação (art. 4°).
Ainda, de acordo com Rolf Madaleno:
A Lei Maior, que se quer cidadã, democrática e igualitária, de modo expresso veda discriminação em razão da idade, bem como assegura especial proteção ao idoso. Em face do direito à igualdade e à liberdade ninguém pode ser discriminado em função do seu sexo ou da sua idade, como se fossem causas naturais de incapacidade civil.
Este dispositivo é ato atentatório contra a proteção dedicada à pessoa idosa pelo Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/2001), pois restringe a sua autodeterminação e a sua autonomia da vontade. Existe, de fato, uma discriminação sofrida pelo idoso e mais ainda, não é levado em consideração o respeito ao sujeito na sua livre manifestação de vontade para contrair matrimônio e dispor sobre o regime de bens que melhor lhe convir.
No mesmo sentido, João Batista Villela comenta que:
Ademais, atenta, por igual, contra a proteção integral e prioritária dedicada ao idoso pela lei n° 10.741/01 – Estatuto do Idoso, restringindo, indevidamente, a sua autodeterminação, decorrente. É, enfim, um verdadeiro ultraje gratuito à melhor idade, decorrente de uma cultura patrimonialista, que pouco se acostumou a valorizar a pessoa e não o seu patrimônio. O ser e não o ter!
Sem dúvida alguma, trata-se de norma legal inconstitucional, pois fere demasiadamente o princípio da dignidade humana, discriminando e reduzindo a autonomia da pessoa idosa. Apesar da existência de leis que garantam a igualdade entre todos os indivíduos, e esta garantia estar calcada de maneira expressa, é possível verificar que é bastante presente a discriminação sofrida por este grupo.

6. DEFESA DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1641, II DO CÓDIGO CIVIL
A doutrina, de forma quase unânime entende ser inconstitucional e por isso criticam o dispositivo do Código Civil. Porém uma parte minoritária da doutrina entende ser constitucional tal dispositivo, alegando que a intenção do Estado é proteger os interesses da pessoa idosa e de seus familiares e evitar os chamados “casamentos por interesse”.
Segundo entendimento de Washington de Barros Monteiro:
Tendo em conta, porém, sua idade, com o intuito de pô-los a salvo de qualquer propósito subalterno ou menos digno, o legislador prudentemente prescreve o regime da separação. [...] Com o devido respeito pelas posições contrárias ao regime da separação de bens e sua aplicabilidade obrigatória aos casamentos daqueles que contam mais de setenta anos, é preciso lembrar que o direito à liberdade, tutelado na Lei Maior, em vários incisos de seu art. 5°, é o poder de fazer tudo o que se quer, nos limites resultantes do ordenamento jurídico. Portanto, os limites à liberdade individual existem em várias regras desse ordenamento, especialmente no direito de família, que vão dos impedimentos matrimoniais (art. 1.521, n. I a VII), que vedam o casamento de certas pessoas, até a fidelidade, que limita a liberdade sexual fora do casamento.
Para os autores que têm essa linha de raciocínio, o argumento utilizado é de que a pessoa idosa possui maior fragilidade e por isso agiu bem a lei em tornar obrigatório o regime da separação total de bens, pois impede ou ao menos dificulta a aproximação de pessoas interessadas no poder econômico do idoso.
Para Regina Beatriz Tavares da Silva, esta cláusula tem o condão de salvaguardar os idosos e as suas famílias, pois quando chega numa certa idade o ser humano encontra mais carências afetivas, podendo se sujeitar a riscos de contrair matrimônio com algum interesse financeiro. A autora afirma que:
Possibilitar, por exemplo, a adoção do regime da comunhão universal de bens, num casamento assim celebrado pode acarretar consequências desastrosas ao cônjuge idoso, numa dissolução inter vivos de sua sociedade conjugal, ou mesmo a seus filhos, numa dissolução causa mortis do vínculo.
Essa parte minoritária defende que o dispositivo do diploma civil busca resguardar os interesses do idoso e de sua família, chegando até a afirmar que nesta idade a pessoa se encontra em situação de fragilidade emocional no aspecto afetivo e consequentemente vulnerável para cair em golpes, gerando riscos de ordem patrimonial tanto para o próprio idoso quanto para os seus familiares, considerando “a restrição eminentemente de caráter protetivo”.
Também a posição de Zeno Veloso é favorável à manutenção do dispositivo do Código Civil:
Embora reconheçamos que as pessoas de idade alta ou avançada não estão destituídas de impulsos afetivos e da possibilidade de sentirem amor, ternura, pretendendo, desinteressadamente, unir-se matrimonialmente com outrem, devemos também concordar que, na prática, será muito difícil acreditar-se que uma jovem de 18, 20 anos, esteja sinceramente apaixonada por um homem maior de 60 anos, nem, muito menos, que um rapaz de 20 anos venha a sentir amor e pura ou verdadeira atração por uma senhora de mais de 50 anos. Tirando as honrosas exceções de praxe, na maioria dos casos, é razoável suspeitar de um casamento por interesse.
Tal dispositivo é injustificável do ponto de vista moral, jurídico, ético e social porque contraria normas legais constitucionais, fato este que permitiria a sua eliminação por completa do ordenamento jurídico pátrio. Conforme dito alhures, este é um ranço patrimonialista herdado do Código Civil de 1916, onde o art. 1.641 em seu inciso II no nosso Código Civil mais atual limitou-se a manter a mesma incongruência.
Por fim, em defesa da manutenção do dispositivo, Ênio Sarantelli Zuliane pondera que:
A intervenção do Estado neste assunto é de ordem preventiva, uma garantia para a paz familiar, porque, afinal, patrimônio de uma história de lutas, dificuldades, sacrifícios de um núcleo familiar, poderá ser dissolvido com a mesma rapidez com que se encerra a carícia dissimulada.
Diante de tais argumentos inconsistentes, não restam dúvidas de que não pode o Estado, se utilizar de fundamentos de ordem protetiva para interferir na liberdade e na autonomia privada das pessoas maiores de setenta anos impondo ao casamento por elas contraído um regime de bens que talvez nem mesmo os próprios noivos estejam de acordo. Ao impor o regime de bens, o Estado está invadindo a esfera privada além do limite considerado aceitável.
A ingerência do Estado no domínio privado em alguns casos ultrapassa todos os limites aceitáveis pelo ordenamento jurídico. Nesse sentido, o próprio Código Civil, em seu art. 1.513 impõe certa autonomia à entidade familiar quando diz: “É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”. E ainda, a interpretação que se tem do art. 1639, do Código Civil é de que os direitos patrimoniais são direitos disponíveis, podendo as partes dispor como melhor lhes aprouver.
A simples alegação de que a pessoa idosa deve ser protegida de “possíveis aventureiros” não se justifica, tendo em vista que o idoso possui condições de decidir e fazer o que bem quiser com seus bens, da mesma forma que tem condições de escolher a pessoa com quem queira casar-se. Porém, havendo incapacidade do idoso para atos da vida civil, tal situação se resolve com a interdição, não podendo haver uma presunção estatal de incapacidade para todos aqueles que possuem mais de setenta anos e desejam se casar.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme todo o exposto no decorrer deste artigo em todos os seus capítulos, onde foram explanadas posições favoráveis e posições contrárias á manutenção do dispositivo do diploma civil, verifica-se flagrantemente a inconstitucionalidade do art. 1.641, II do Código Civil por ferir princípios de ordem constitucional tais como o princípio da liberdade, da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Tal posição legislativa encontra-se totalmente equivocada tenho em vista que fere tais princípios enquanto veda a liberdade de escolha e reduz a autonomia privada do ser humano. O Estado não pode simplesmente se intrometer na vida privada das pessoas chegando ao ponto de determinar até o regime de bens que irá reger o matrimônio em certos casos com a falsa afirmação de que está “protegendo os mais vulneráveis”.
Não é justo que uma pessoa construa o seu patrimônio durante uma vida inteira de lutas e sacrifícios, chegue aos setenta anos ou mais, tenha se apaixonado e esteja vivendo um relacionamento saudável embasado na confiança e na honestidade, queira se casar e compartilhar os seus bens e o Estado simplesmente intervenha impondo algo que talvez o nubente idoso nem esteja de acordo, mas infelizmente deve aceitar porque a lei não dá outra alternativa.
O texto civil caracteriza de forma sutil, porém clara a ideia de que uma pessoa idosa não tem capacidade nem noção, apesar da maturidade que lhe conferem os anos já vividos, de reviver um novo relacionamento saudável embasado em valores de respeito e confiança.
Nos tempos atuais, já não há mais argumento logicamente consistente que o casamento que envolva uma pessoa maior de setenta anos se dará por interesse econômico. É uma verdadeira falácia. E mesmo que esse casamento seja tão somente por interesse, o Estado não pode interferir na intimidade das pessoas a tal ponto e dizer o que é certo ou errado. Partindo do pressuposto de que o Estado explora as possibilidades de proteção patrimonial em prol de seu acervo e de seu patrimônio, é possível concluir que a real intenção do Estado não é de proteger a pessoa idosa, mas sim de amealhar possíveis riquezas.
A conclusão a que se chega é na necessidade de ser revogado o inciso II do art. 1641 do Código Civil, pois o mesmo se solidifica de flagrante inconstitucionalidade. Trata-se de mera infringência aos princípios constitucionais da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Manter tal dispositivo dentro do ordenamento jurídico pátrio atinge garantias e direitos previstos na Carta Magna, que traz encabeçado no seu corpo valores que não podem ser desrespeitados. Enquanto este dispositivo não é banido do nosso ordenamento jurídico, faz-se mister que os magistrados desempenhem o seu papel de cumprir a lei com justiça, velando pela Constituição Federal.

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